Enquanto houver racismo (e capitalismo), não teremos democracia.
No dia 24 de janeiro de 2022, Moïse Mugenyi Kabagambe, jovem, negro, Africano, Congolês, refugiado, trabalhador informal, foi assassinado por espancamento ao ir “negociar com seu patrão” seus míseros R$200 reais de diárias não pagas.
Apenas quando a sociedade civil, entidades de defesa dos direitos humanos e do movimento negro, realizaram uma pressão política foi possível que desvelássemos o escárnio brutal sobre o qual um trabalhador, precarizado, negro e refugiado sofreu nas mãos do que há de pior na cidade do Rio de Janeiro, suas milicias.
Foi veiculado em mídias sociais que o “patrão” de Moïse era associado ao grupo paramilitar que comanda diversas comunidades e atua principalmente na zona oeste do Rio de Janeiro, explorando economicamente a população a partir do uso da repressão, influência política e do medo. Os grupos de milicianos possuem alto poder de decisão política, inclusive eleitoralmente, e usam isso para seus interesses econômicos individuais, inclusive auxiliando a eleger um presidente à sua imagem e semelhança, que defende o fascismo, com políticas econômicas e sociais, contra negros, pobres, periféricos, idosos, indígenas e ativistas.
Um dos traços do Fascismo e seu ódio ao diferente. O agravamento de casos de violência de motivação racista e xenofóbica contra imigrantes e refugiados se agudiza. A retórica de que os estrangeiros subtraem os recursos dos brasileiros, como benefícios governamentais e atendimentos médicos, se populariza cada dia mais.
Dessa forma, não podemos deixar de considerar a situação de vulnerabilidade dos refugiados no Brasil. Conflitos, guerras, desequilíbrios socioeconômicos, violência, pobreza, fome, exploração, epidemias e busca por acesso à saúde constituem os principais motivos da migração.
A família de Moïse faz parte do grupo de pessoas que não podem ou não querem retornar aos seus países de origem em virtude do temor de perseguição, das guerras, ou da situação de grave e generalizada violação de direitos humanos. O Congo, até 1960, pertencia à Bélgica. Após o processo de independência, o país enfrentou uma ditadura e, em 2012, o povo congolês passou a viver novamente uma guerra que ainda não teve fim. Muitos interesses imperialistas, Norte Americanos e Europeus, levam o Congo a essa situação política, entre eles a presença no território de diamantes, estanho e cobre.
Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), em 2020, haviam 57 mil refugiados. As condições de vida dessas populações ao migrarem para o Brasil são profundamente degradantes. Sabe-se que refugiados moram geralmente em favelas e periferias, não conseguem trabalhos fixos, têm pouco acesso a renda, permanecendo na informalidade, com vínculos precários e apresentam condições de saúde pífias. Além disso, o atual Governo Federal, adota uma política migratória completamente diferente dos governos anteriores, abandonando o multilateralismo, chegando a incentivar episódios de descriminação, racismo e xenofobia, que trouxeram incertezas para o campo da migração e refúgio.
Assistimos três homens, agredindo violentamente e incessantemente Moïse. Depois o amarram, sentam em seu rosto e o golpeiam com um taco de baseball, instrumento de jogo americano, aqui lido como símbolo de um imperialismo racista contra corpos negros, que autoriza a morte pelo dono do poder.
Talvez, não por ordem direta do patrão, mas por uma trama simbólica e estrutural que instrui capatazes, ou capitães do mato, a defenderem os interesses dos seus algozes, sem necessidade de uma ordem direta, posto que ela está dada pelo mecanismo de negação que sustenta o racismo e o patrimonialismo violento brasileiro. Dizendo de outra forma, a estrutura social, política e econômica matou Moïse, matou tantos outros jovens, e continuará matando se não enterrarmos de vez o racismo que a constitui, se não executarmos esse luto pela reparação.
Um mundo no qual pessoas são cotidianamente forçadas a sair de seus países em busca da simples possibilidade de existir dignamente de não serem violentadas e mortas, nos leva a refletir sobre a falência desse sistema mundial. A permanência da impossibilidade de perpetuar a vida, levou a família de Moïse a buscar abrigo no Brasil, a fugir da violência e da morte.
Entretanto, que ironia, os interesses econômicos difundidos pela subjugação e violação de corpos negros os seguiram. Nos fazendo refletir que um corpo negro não está seguro em nenhum lugar do mundo ate quando perpetuar esse sistema opressivo. Como diria Silvio de Almeida, “enquanto houver racismo, não teremos democracia”, diria que enquanto tiver Capitalismo, não teremos democracia.
No dia 3 de março, dois meses após o assassinato, a família de Moïse Kabagambe afirmou que ainda está sem acesso ao inquérito que investiga a morte do jovem, conduzido pela DH (Delegacia de Homicídios da Capital). A sua mãe e os irmãos de Moïse estão sendo representados legalmente por Rodrigo Mondego, procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ que lamentou a falta de informações mais detalhadas e disse ver uma tentativa dos suspeitos de “justificar a barbárie”
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