O mito do bom estudante

IDI Opinião (6)

Como as pessoas que acompanham a coluna devem fazer ideia, até pela descrição que aparece na imagem de capa, eu sou professor do ensino básico e muito do que compartilho sobre a minha visão de mundo passa pelo que vivencio e aprendo nos diversos espaços de trocas, profissionais e acadêmicos, cujo tema central é a educação. Até porque a prática pedagógica carrega consigo a necessidade de refletir intensamente sobre as relações humanas.


Nas diversas situações que ocorrem em sala de aula, situações essas que me fazem repensar minhas ações, algumas têm significados que exigem um cuidado maior, apesar de, muitas vezes, serem reproduzidas com boas intenções.


Vamos a um exemplo prático. Façamos um exercício de memória que ajudará muito na sequência das ideias: tente lembrar o nome da última pessoa que você tenha chamado ou que tenha ouvido alguém chamar de boa estudante.


Obrigado pela ajuda.


Agora, em cima desse exercício, queria buscar uma reflexão no contraponto: se há um estudante bom, estamos pressupondo que há o estudante ruim. Mas o que é o estudante se não alguém que precisa aprender? Como podemos chamar de ruim alguém que não aprendeu, se o objetivo da escola é ensinar? Ou melhor, se o objetivo da escola é propor formas que os permitam desenvolverem suas aprendizagens?


Eu vou me dar o direito de fazer uma previsão “achista” aqui, porque imagino que um pensamento possa estar surgindo neste momento aos nossos leitores: “mas se o estudante não participa das aulas, não se engaja nos processos propostos, expressa algum tipo de agressividade, não pode ser considerado ruim?”. Não, não pode. Enquanto educadores, precisamos resistir aos termos e às práticas simplistas que reduzem as aulas aos conteúdos acadêmicos. Se alguém apresenta os comportamentos citados, precisamos pensar em formas de ajudar a buscar participação e engajamento nas aulas, de trabalhar reflexões sobre o respeito (de si e do outro), de propor espaços e momentos que permitam o desenvolvimento da autonomia moral (aqui me refiro ao termo moral na perspectiva piagetiana).


Entendo que não são coisas fáceis de fazer, que requerem estudo e envolvimento de professores, equipes pedagógicas e família, mas que não podem ficar de fora do nosso horizonte. Assumir uma postura de sala de aula com responsabilidade passa por reconhecer a importância de qualquer avanço, e de enxergar a necessidade que a escola tem de ajudar no desenvolvimento integral das pessoas.


Além disso, dar a entender que alguns estudantes são melhores do que outros me remete a processos que acontecem em algumas instituições de ensino, com o objetivo de selecionar pessoas “mais preparadas” para aprender. Mas quando falamos de selecionar falamos de excluir e se assumirmos como legítimo que a educação – que entendemos como ferramenta de emancipação popular – pode ser excludente, damos um passo atrás na luta. Até porque sabemos muito bem que a exclusão tem alvos muito bem definidos, e qualquer vestígio de normatização desses processos excludentes, precisa gerar incômodo em quem pensa uma sociedade mais justa.


As violências sociais se manifestam em frentes sutis e os espaços devem ser disputados em suas entranhas. Vamos de atenção redobrada porque a luta contra os retrocessos será um pouco longa.

1 comentário

  1. Adriananobredemellocardoso em 06/01/2022 às 17:43

    Muito bom, Rafa!

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