Jogaram meu filho para os lobos

IDI Opinião - Juliane Souza

Achei que meu filho estivesse seguro aqui. Como pode ele estar sob os cuidados do Estado e ser morto? Estou revoltada. Isso é inaceitável. Jogaram meu filho para os lobos e deixaram ele ser morto. Alguém terá que ser responsabilizado por isso. A morte do meu filho não pode passar assim. Vou lutar por justiça até o fim. (https://oglobo.globo.com/rio/meu-filho-nao-era-de-nenhuma-faccao-unico-erro-dele-foi-vicio-em-drogas-lamenta-mae-de-jovem-morto-no-degase-13203155)

Quando nos deparamos com as práticas de extermínio, o sangue salta em nós. Difícil de digerir. Como proceder quando lhe é retirada a humanidade de algum grupo?

O depoimento acima é da mãe de um adolescente assassinado por enforcamento dentro do Centro de Socioeducação Dom Bosco, na Ilha do Governador, uma das unidades do Degase, no Rio de Janeiro. Mais uma vez sangue, guerra, inconformismo. Essa mãe se mostrou inconformada com a situação drástica em que o Estado a deixou. Matar jovens negros e pobres é o ofício daqueles que defendem e reproduzem a permanência da prisão, punição e castigos.

As mães desses adolescentes são mulheres, em sua maioria negras, que são submetidas a situações de violência para que muitas vezes possam permanecer em conexão com seus filhos no processo de cumprimento de medidas socioeducativas. Percebem-se em uma situação que, independente do que façam ou falem, sempre são vistas como culpadas.

Há um controle do Estado sobre os corpos dessas mulheres que começa com a burocracia para conseguir autorização para visitar seus filhos nas unidades de internação e vai até as exigências (muitas vezes injustificáveis) pelas quais elas devem passar durante as visitas. A revista vexatória é algo frequente nessa situação. São horários de entrada e saída, filas de espera, determinações minuciosas sobre o que pode entrar e o que é proibido, procedimentos de inspeção e outros mecanismos de controle.

São mulheres estigmatizadas como “mães de bandido”, sendo vistas como suspeitas pelos operadores do sistema e sofrem violência desde o momento em que a polícia invade suas casas à procura dos seus filhos até à violência física policial praticada sobre seus filhos.

A vida dessas mães é marcada muitas vezes pela dor e revolta de presenciarem as condições sub-humanas a que seus filhos são submetidos. Com isso, há a necessidade de apontarmos a situação de precarização da vida de mulheres negras, mães daqueles que são classificados como perigosos e ingovernáveis.

Essa questão gera nessas mães um sentimento de profunda injustiça. Sentem-se inconformadas e violentadas com essa situação drástica produzida pelo Estado, tanto pelas violências sofridas por elas e por seus filhos como pelo fato de, muitas vezes, verem seus filhos mortos pela mão desse mesmo Estado que tem como função básica e essencial a defesa e proteção dos cidadãos.

Que a barbárie e a desumanidade não sejam normalizadas!

Imagem de fundo: Tribuna do Advogado (OAB-RJ)

Texto: Juliane Souza