A quem interessa a volta presencial das aulas escolares?
Ano passado, com o anúncio da crise na saúde causada pela pandemia da Covid, as aulas escolares foram interrompidas e diversas estratégias para manter o ano letivo em diferentes redes passaram a ser pensadas e executadas. Entretanto, desde o segundo semestre de 2020, observamos uma crescente pressão para a retomada das atividades presenciais das aulas. Primeiramente, essa pressão veio da iniciativa privada, preocupada em manter sua taxa de lucro aliada à pressão de pais e mães que não estavam satisfeitos com o ensino remoto, ou mesmo desejando que os filhos pudessem estar nas escolas para poderem estar liberados para o mercado de trabalho. Justificativas surgiram, então, para garantir este retorno como, por exemplo, a de que a ausência das aulas presenciais estaria, de algum modo, afetando a saúde das crianças, dificultando a sociabilidade das mesmas, entre outras.
Naturalmente, essas justificativas escondiam interesses empresariais, muito mais preocupados com seus lucros do que com a saúde das crianças.
No ano passado, as redes públicas não haviam ainda aderido ao retorno presencial. Porém, no início deste ano, várias redes públicas municipais e estaduais anunciaram, para surpresa da categoria da educação, o retorno das atividades presenciais, diga-se, de passagem, no pior momento da pandemia.
Naturalmente, sabemos que as prefeituras e os estados possuem articulações de diferentes níveis com entes privados, grupos empresariais de educação, empresas prestadoras de serviços, obras que estavam planejadas, enfim, uma cadeia de negócios que foi interrompida durante um tempo, mas que deveria ser retomada a qualquer custo, nem que para isso fosse necessário ignorar o alarmante número de mais de 330.000 pessoas mortas (até a criação deste texto) em decorrência da doença. É importante lembrar que o colapso da saúde em Manaus se deu justamente depois do retorno presencial das atividades escolares (https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-28/laboratorio-da-volta-as-aulas-amazonas-detecta-virus-em-10-dos-professores-e-encara-alta-de-mortes.html)
Essa retomada foi rebatida prontamente por setores da categoria que, através de seus sindicatos, passaram a oferecer resistência a tais medidas, buscando demonstrar que não era a hora para esse retorno pois, apesar da taxa de óbitos ser menor entre crianças e jovens, isso não significa que eles não possam ser transmissores do vírus. A ação com mais destaque nesse sentido foi a Greve Pela Vida construída por diversos trabalhadores e trabalhadoras da educação de diferentes municípios e Estados do país, tendo maior ou menor êxito dependendo das condições de luta de cada lugar (https://www.cnte.org.br/index.php/menu/comunicacao/posts/noticias/73323-na-luta-pela-vida-sindicatos-ameacam-greve-contra-volta-as-aulas-presenciais)
E mais: muitas unidades escolares de diferentes redes públicas sequer ofereceriam condições mínimas para o retorno. Além disso, foram poucos os entes federativos que apresentaram um planejamento realizado em conjunto com a sociedade e com os trabalhadores e trabalhadoras da educação.
Soma-se a esta realidade um discurso de culpabilização dos profissionais da educação que, de acordo com líderes políticos e também de parte da população, não queriam voltar a trabalhar “pois gostariam de permanecer em férias”.
O fato é que nenhum profissional da educação gostaria de permanecer nesta situação. O ensino remoto, independente de como ele foi ou está estruturado, gera uma sobrecarga de trabalho, além de não conseguir garantir a qualidade que todos desejam.
Todavia, queremos um retorno com segurança, planejado com a comunidade escolar, que leve em consideração a saúde das crianças e jovens, bem como dos profissionais que os atendem. Todas e todos querem voltar a trabalhar, mas com planejamento e comprometimento dos órgãos públicos e privados, priorizando, inclusive, a categoria no calendário de vacinação.
Depois dessas reflexões, voltamos a perguntar: a quem interessa a volta ao ensino presencial? Como e por que a educação, de uma hora para a outra, se tornou um serviço essencial que não pode ser interrompido, ou como o Prefeito do Rio disse, “as escolas serão as últimas a fechar”. Vejam só quanta preocupação com a educação! Afinal, temos um sistema perfeito que não pode parar, não é mesmo? E nossas crianças devem se manter em atividade para garantir a normalidade no momento. Ironias à parte, o fato é que interesses, como já mencionados ao longo do texto, se impõem às políticas de educação e de saúde e que, independentemente do número de afetados, o sistema não pode parar. Predileções empresariais e políticas são colocadas em primeiro lugar à revelia da segurança de todas e todos.
Talvez isso explique, em parte, o que Boaventura dos Santos quer dizer, quando afirma que não vivemos somente uma crise de saúde, mas uma profunda crise social e do capital (a ideia de que a atual crise de saúde está inserida em uma grande crise do capital está presente no livro “A Cruel Pedagogia do Vírus”, de Boaventura de Sousa Santos, lançado em abril de 2020).
Imagem de fundo: Paulo Bastos
Texto: Paulo Bastos