ADPF nº 336 e a remuneração dos presos
Na última semana de fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a constitucionalidade da remuneração de presos em 75% do valor do salário mínimo. O tema foi objeto da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 336, ajuizada em 2015 pelo então Procurador Geral da República.
O questionamento da constitucionalidade do artigo 29, caput, da Lei de Execução Penal, objeto da ação, que prevê a remuneração não inferior a 3/4 do salário mínimo do trabalho do preso, teve por fundamento a violação dos princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, além da violação da garantia de, ao menos, um salário mínimo a todos os trabalhadores urbanos e rurais.
O Ministro relator do processo, Luiz Fux, em seu voto, seguido pela maioria dos demais ministros do STF, considerou que, além de não estar sujeito ao regime da Consolidação das Leis Trabalhistas, o trabalho do preso tende a “produzir correspondente depreciação” quanto ao valor pago pelo empregador por sua mão-de-obra em virtude de “restrições naturais ao exercício do trabalho”.
Fux ainda destacou que, “considerando as peculiaridades da situação do preso, que constituem prováveis barreiras à sua inserção no mercado de trabalho, é razoável que o legislador reduza o valor mínimo de remuneração pela sua mão-de-obra com o intuito de promover as chances da sua contratação”.
O Ministro Edson Fachin, em voto divergente ao do relator, advertiu que “o sentido da proteção constitucional ao salário mínimo foi o de estabelecer a retribuição mínima para o trabalho, piso-garantia aplicável a todo e qualquer trabalhador. Como garantia fundamental, o texto constitucional prevê aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1, da CRFB), que não pode ser restringida pela legislação inferior”.
Afirma Fachin que “à exceção do art. 142, § 3º, VIII, da CRFB, a garantia estabelecida no art. 7º, IV, da CRFB é ampla, razão pela qual nenhum trabalhador pode ser remunerado em patamar inferior. No caso dos presos, essa garantia é plenamente aplicável”.
Nesse passo, é importante atentar que o trabalho do preso possui função social e reeducativa, buscando conservá-lo no cenário do desenvolvimento econômico e social da coletividade, sendo, portanto, ferramenta de afirmação da dignidade humana.
O valor social do trabalho, além de estar previsto no art. 1º da Constituição Federal, elevado à condição de valor fundamental do Estado brasileiro, possui caráter de direito social (art. 6º da CF), tendo sido determinado pela nossa Lei Maior que os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais são destinados a todos, não havendo qualquer distinção quanto aos presos (art. 7º da CF). Assim, se a própria Constituição Federal não realizou a distinção, não pode uma norma infraconstitucional, ou mesmo seu intérprete, fazê-la.
Portanto, deveria ter sido dada ao artigo 29, caput, da Lei de Execução Penal, interpretação conforme a Constituição Federal em observância e respeito à dignidade do preso.
Na direção desse entendimento, a Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. O documento estabelece ainda que toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social (art. 23).
Da mesma forma, a Constituição do Estado do Rio de janeiro, em seu art. 27, § 3º, estabelece que “o trabalho do presidiário será remunerado no mesmo padrão do mercado de trabalho livre, considerando-se a natureza do serviço e a qualidade da prestação oferecida”.
Desse modo, é lastimável e infeliz a decisão final tomada pela maioria dos votos na ADPF nº 336, evidenciando explícito retrocesso quanto à aplicabilidade do princípio constitucional estruturante da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e dos direitos sociais.
Texto: Eliana Werneck
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