Parentesco Não é Crime
No dia 30.10.2020 a revista Veja pulicou uma reportagem relacionando o candidato a vice prefeito da cidade do Rio de Janeiro na chapa da delegada Marta Rocha, Anderson Quack, a um dos fundadores da Falange Vermelha, Rogério Lemgruber. De acordo com a reportagem, Anderson entrou de sócio em uma empresa cuja sobrinha neta de Rogério, Suellem Lemgruber, teria sido uma das proprietárias.
O cunho político da reportagem, tentando induzir o leitor a uma associação do candidato (preto e de origem favelada) ao crime organizado através do sobrenome de Suellem – que, inclusive, a própria reportagem registrou que “não tem ligação com o crime, segundo apurou VEJA” -, já seria passível de um debate profundo, e merece toda nossa indignação. Mas pretendemos chamar, também, a atenção para a sutileza de outro detalhe: a forma com que condenamos moralmente os familiares de pessoas presas, egressas do sistema, ou em conflito com a lei, só por fazerem parte da família.
Infelizmente, nos alarma a necessidade de reafirmar que somos cruéis ao naturalizarmos o estigma que as famílias de presos e presas carregam. Elas são julgadas pelo senso comum e condenadas pelos nossos olhares. Mas é fundamental ressaltar que elas são a única via de afeto que resta às pessoas apenadas, diante do caráter desumanizador do cárcere, sendo a ferramenta mais importante no restabelecimento do convívio social fora do sistema. E, lembremos, não cometeram crime por terem parentesco.
Para além da questão das famílias, precisamos pensar na forma com que manifestamos nosso primário sentimento de vingança, quando reconhecemos como legítimas as barbaridades cometidas pelo nosso sistema prisional. Isso é reflexo da nossa noção do que é justo ainda ser muito infantil e passional.
O cárcere no Brasil é um assunto que precisa de um debate urgente, mas um debate sério, que repense o método de privação de direitos como forma de fazer justiça, e que reconheça a relação do nosso modelo de organização socioeconômica com o viés racista e classista da nossa realidade penal.
Texto: Rafael Guedes, Equipe IDI
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Link da reportagem: https://veja.abril.com.br/politica/parente-de-traficante-foi-socia-de-empresa-de-vice-de-martha-rocha/