Educação e a População Negra no Brasil
Nós, brasileiros, somos a segunda população com o maior percentual de negros no mundo. Ficamos apenas atrás da Nigéria. Os levantamentos censitários da última década indicaram que os negros e pardos representam a maioria no país. Tal “revelação” resulta, em grande parte, da contínua luta do movimento negro para a valorização da cultura e história africana e afro-brasileira. Com efeito, cada vez mais homens e mulheres passaram a se ver positivamente como negros.
Apesar do orgulho crescente com a própria cor, características estruturais e sistêmicas do racismo persistem em desafiar o povo negro, que continua sendo a parcela da população que mais sofre com a violência, com os baixos salários, com o cárcere, com o trabalho infantil, com o desemprego, com a pobreza, entre outros dramas. A dicotomia entre a satisfação e a desvantagem de ser negro mantém o Brasil muito longe de se tornar uma verdadeira democracia racial. Discriminação, marginalização e exclusão são forças que contribuem historicamente para dificultar a inserção dos negros e negras na sociedade brasileira.
Os impactos causados pela estrutura racista de nossa sociedade são reproduzidos de forma particularmente dramática na educação. Entre os negros, a taxa de analfabetismo é mais do que o dobro da observada entre os brancos. As taxas de reprovação, evasão também são desfavoráveis aos negros. A média de anos de estudo dos negros fica em 8,6, enquanto a dos brancos é de 10,4. No ensino superior, houve um avanço significativo da presença negra que alcançou a maioria entre os alunos nas universidades federais (50,3% em 2019, segundo o IBGE). Entretanto, é necessário cautela para analisar esse aumento quantitativo. O seleto grupo de cursos (engenharias, medicina, odontologia e direito) historicamente reservados para a elite socioeconômica apresenta maior resistência em alterar sua monótona paleta de cores. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, apenas um a cada cinco estudantes de medicina não tem a pele branca. Entre os docentes universitários, a coisa se repete: o total de negros não chega a 17%.
Algumas medidas tentam dar conta de atenuar os efeitos do racismo na educação. Há 17 anos era criada a Lei 10.639 que incluía nos currículos das escolas públicas e privadas a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira. A lei tem como objetivo valorizar a contribuição do negro na formação do país, sem restringir essa participação à escravidão. Outro importante mecanismo surgiu com as ações afirmativas por meio de cotas étnico-raciais no acesso a graduação nas universidades federais e estaduais. O principal intuito das cotas era o de corrigir a dramática sub-representação negra e indígena no ensino superior brasileiro.
Entretanto, a plena implementação de tais medidas enfrenta muitas dificuldades e resistências. Embora esteja em vigor há quase duas décadas, a Lei 10.639 ainda não é cumprida em muitas escolas e redes de educação básica. A lei de cotas étnico-raciais nas universidades, por sua vez, terá seu prazo inicial de vigência finalizado em 2022. Em breve, os debates sobre o tema serão retomados, desta vez em um cenário político-cultural marcado por ferozes reações críticas – principalmente vindas da extrema direita – às ações afirmativas voltadas à população negra. Os desafios serão enormes.
Nós do campo progressista, que lutamos por uma educação inclusiva, pautada pela diversidade e pelo antirracismo, teremos que nos posicionar contra os ataques frontais que vêm por aí. Temos que ter a clara noção de que tanto a exclusão quanto a inclusão dos negros e negras na educação não se dá de forma natural. É resultado histórico de forças em disputa. A luta, a mobilização e o engajamento devem ser constantes!
Texto: Roberto Azevedo – Doutor em História pela COC-Fiocruz, educador e ativista cultural – em contribuição para o IDI.
Imagem: HP LIBRARY