STF decide fim da superlotação das unidades socioeducativas. E agora?

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Em julgamento concluído na sexta-feira (21/08), a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deliberou sobre o fim da superlotação em unidades do sistema socioeducativo de todo o país. Nove estados brasileiros já operavam acima da capacidade, entre eles encontram-se o Acre (153%); Bahia (146%); Ceará (112%); Espírito Santo (127%); Minas Gerais (115%); Pernambuco (121%); Rio de Janeiro (175%); Rio Grande do Sul (150%); e Sergipe (183%).  Parece um tanto quanto óbvio que se em uma unidade cabem 100, é desumano colocar 101. Mas para o Estado não funciona bem assim, vamos comentar um pouco sobre essa decisão e sobre os mecanismos operantes nas medidas socioeducativas.

As unidades de internação são o espaço destinado ao comprimento de uma das medidas socioeducativas possíveis de serem aplicadas, sendo as outras:  - advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; A restrição de liberdade deveria ser aplicada de forma excepcional, em casos de ato infracional grave.

Todos nós concordamos quando afirmamos a frase de que o sistema de Justiça e socioeducativo se destinam a recuperação de seus internos, para o retorno a funcionalidade na sociedade, certo? Que o objetivo é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Entretanto, como o Estado pretende ressocializar, reintroduzir na sociedade, pretende a ressignificação dos atos infracionais, se as condições objetivas ofertadas para isso são desumanas, superlotadas? Quais são de fato as condições para ressocializar que estão sendo oportunizadas a esses adolescentes? Já foram socializados? é possível retornar aquilo que nunca tivemos ?

A adolescência é um período de transição. Um espaço entre dois a qual o adolescente se encontra, entre o ser criança e o ser adulto. Um período de enfrentamentos com essa realidade social que o constitui e determina, da relação familiar e com o seu eu. Todo esse processo é constituído de conflitos de identificação e negação. Se pensarmos essa relação em um contexto social de ausência e negação de direitos, de opressão, de violência policial e de Estado, de pobreza, de vulnerabilidade, de falta de aparelhos culturais, de aparelhos de educação, de trabalho, de perspectivas e de sonhos, podemos perceber que o ato de a violação de direitos e a negação das condições objetivas da vida destes adolescentes encontram-se presentes mesmo do ato infracional. Quem cometeu o crime primeiro? 

Adolescentes e crianças, tal como postulado pelo nosso avançadíssimo, porém não lido ECA, são dignos de proteção, tanto do Estado, quanto da família e de seu meio social. Desse modo, as políticas públicas, de saúde, educação, moradia, etc, devem ser direcionadas a garantir direitos e promover um desenvolvimento integral, não a mais violação, negação e ausência.

As medidas socioeducativas não são e não podem ser confundidas com penas, fazer justiça ou reparação. Embora a decisão do STF seja um avanço e uma forma de trazer à tona o debate do encarceramento dos jovens e das condições de internação, se faz fundamental salientar que a violação desses adolescentes e a negação de sua existência é cometida cotidianamente pelo Estado, e é imprescindível para se combater a superlotação, não só que se promovam atos jurídicos, mas que discutamos e promovamos políticas públicas de educação, se saúde, de assistência social. O problema da superlotação das unidades é um problema social e político. É fundamentalmente fruto da omissão do Estado, e não será resolvido apenas no âmbito do judiciário. É preciso que se repense sistematicamente nessa sociedade que estamos construindo e alimentando, sustentada pela violação dos direitos de crianças e adolescentes enquanto cobramos medidas judiciais para resolver problemas que não deveriam nem existir.