Genocídio da juventude negra: projeto político de extermínio
No ano de 2020, a partir de março, demos início ao isolamento social como forma de tentar amenizar os efeitos da pandemia de COVID-19, situação que ainda estamos vivenciando e que parece longe do seu final. Ao pensarmos no genocídio da juventude negra no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, e no debate sobre os direitos humanos, associados à situação de pandemia e isolamento vividos atualmente, urgem reflexões que podem contribuir para uma análise mais aprofundada sobre esse tema e também sobre a situação de desigualdade social e, consequentemente, racial em que nos vemos cada vez mais imersos.
No Rio de Janeiro, o isolamento social foi iniciado em 16 de março, com medidas restritivas, com permissão apenas para o comércio essencial permanecer aberto e manter a oferta de serviços. Todavia, já era sabido que boa parcela da população não teria a possibilidade ou o privilégio de se manter isolada e, como consequência, de manter uma proteção adequada contra o vírus. Isso porque muitos necessitam sair para o trabalho, seja ele formal ou não, para assegurar minimamente o sustento seu e de sua família
Nesse contexto, no dia 18 de maio de 2020, Neilton Pinto deixa seu filho João Pedro Mattos, na casa de familiares, para poder trabalhar. Naquele mesmo dia, acontece uma operação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde João Pedro se encontrava. Aquela operação, segundo os próprios policiais, tinha como objetivo a investigação dos chefes do tráfico daquela localidade.
Nesse episódio, acontece um intenso tiroteio na comunidade, quando João Pedro e seus primos entram imediatamente em casa com a intenção de se protegerem dos tiros. João Pedro estava em contato com sua mãe através das redes sociais, para tranquilizá-la. Entretanto, em um lapso de segundos, João Pedro é atingido por um tiro e, imediatamente, seus primos chamam os policiais para procurar socorro e ajuda. Naquele momento, uma luta contra o tempo se instala.
João Pedro é, então, levado pelos policiais de helicóptero e fica 17 horas desaparecido. Seus familiares se articulam entre institutos médico-legais, hospitais e outros locais para a sua procura, além de toda a mobilização que ocorria paralelamente através de articulação dos movimentos sociais via internet. Aquelas 17 horas foram a expressão do medo, do pavor e da triste surpresa na manhã de 19 de maio, quando encontraram o corpo de João Pedro no Instituto Médico-Legal de Tribobó/RJ.
A violência sofrida por João Pedro, sua família e sua comunidade, traz à tona inúmeras reflexões. João Pedro não foi o primeiro nem será o último a ser excluído, eliminado e ter a vida subtraída pelos agentes públicos de um Estado que nos coloca enquanto corpos negros como rejeitáveis, descartáveis, matáveis.
Achille Mbembe (2018) atenta que essa é a total lógica da necropolítica que incide sobre os corpos negros fazendo com que sejam marcados, escolhidos e expostos à morte. Dados da CPI do Senado sobre o assassinato de jovens no Brasil, mostram que, a cada 23 minutos, um jovem negro é morto no Brasil. A atuação do agente público é, portanto, seletiva e tem como objeto a raça, a classe e o CEP.
E continuam ecoando as palavras de Marielle: “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”.
Imagem de Fundo: Cris Vector
Texto: Marcela Toledo.