Moradia e a População Negra no Brasil

Moradia e a População Negra

No dia 19 de novembro passado, veículos de mídia circularam uma nova pesquisa do IBGE sobre moradias inadequadas no Brasil. Utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada em 2019, mostrava que das 45,2 milhões de pessoas (21,6% da população) que residiam em domicílios com alguma inadequação, 31,3 milhões eram de cor preta ou parda, ou seja, 69,2%, o que significa que, de cada 10 pessoas moradoras de habitações inadequadas, sete eram pretos e pardos.

Apesar de algumas variações regionais, o que naturalmente não altera a realidade, a verdade é que os números materializam um triste binômio presente ainda na sociedade brasileira. O primeiro, está relacionado ao número vergonhoso de brasileiras e brasileiros vivendo em precárias condições de moradia (45 milhões), e o segundo, apesar das falas governamentais lamentáveis na última semana, expressa a herança dolorosa do racismo estrutural presente na sociedade brasileira.

Atualmente, mais de 200 milhões de brasileiras e brasileiros, cerca de 85% da população, residem em cidades. Consolidada ainda no século passado, a urbanização do país sempre foi um retrato do legado patrimonialista, patriarcal e colonialista presente ainda hoje na sociedade. O inchaço dos grandes centros metropolitanos foi marcado por uma expulsão violenta da população do campo, uma concentração de renda e de oportunidades nas regiões mais abastadas e, principalmente, por uma histórica falta de compromisso com o planejamento das cidades e das necessidades das classes mais pobres.

Essa realidade está expressa em todas as metrópoles, em especial nos espaços de moradia, verdadeiros marcos hediondos da divisão classista expressa espacialmente.

A concentração histórica de rendas e terras nas grandes cidades do Brasil obrigou milhares de pessoas a buscarem alternativas para suprir a demanda habitacional. Apropriação de áreas inadequadas geologicamente, loteamentos e espaços periféricos afastados dos centros de trabalho, submoradias, foram, dentre tantas outras, as possibilidades em um espaço sempre excludente.

Observamos ainda que a expansão do neoliberalismo em escala global aprofundou as contradições já existentes nas cidades brasileiras, entregando boa parte do seu planejamento para a iniciativa privada, que tem como único objetivo a reprodução de seus capitais. Tal cenário aprofundou o abismo espacial existente entre as classes mais pobres e as mais abastadas, e aqui cabe uma pergunta: quem são os mais pobres? Dados do próprio IBGE podem nos ajudar nessa análise. Em 2018, o rendimento médio mensal das pessoas ocupadas brancas (R$ 2 .796) foi 73,9% superior ao das pretas ou pardas (R$ 1.608). Além disso, mais de 32 % da população negra vive abaixo da linha da pobreza, contra 15% da população branca. Ainda segundo os dados do IBGE, a cada quatro pessoas no grupo dos 10% mais pobres, três são pretas ou pardas, situação que se inverte quando observamos os 10% mais ricos.

Em vista disso, infelizmente, não chega a ser surpresa que as desigualdades por cor ou raça se revelem também nas condições de moradia, tanto no que tange às características específicas dos domicílios como na distribuição espacial e no acesso a serviços. Em relação à distribuição espacial, o Censo Demográfico 2010 verificou que, nos dois maiores municípios brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro, a chance de uma pessoa preta ou parda residir em um aglomerado subnormal era maior do que o dobro da verificada entre as pessoas brancas. Em 2018, verificou-se maior proporção da população preta ou parda residindo em domicílios sem coleta de lixo (12,5%, contra 6,0% da população branca), sem abastecimento de água por rede geral (17,9%, contra 11,5% da população branca) e sem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial (42,8%, contra 26,5% da população branca), implicando em condições de maior vulnerabilidade e exposição a vetores de doenças.

Posta esta realidade, o Instituto Direitos e Igualdades reitera seu compromisso por políticas públicas de moradia digna para toda a população. Portanto, somos contra qualquer tipo de remoção de populações de seus locais de moradia de forma autoritária, sem que soluções alternativas sejam apresentadas pelo poder público, como ocorrido recentemente no caso do despejo da ocupação Benjamin Filho, localizada no Centro da cidade do Rio de Janeiro que, a exemplo de tantas outras, estão alijadas de seu direito à cidade por conta de sua origem de classe e raça.

Finalmente, afirmamos que o presente cenário, apesar da negação por parte de um governo autoritário, não nos deixa dúvidas: vivemos e reproduzimos uma sociedade racista. Toda e qualquer solução para o enfrentamento dessa realidade passa, necessariamente, por atitudes e ações políticas que garantam uma melhor distribuição de renda e oportunidades de serviços para todas e todos. É preciso também que a sociedade, na sua totalidade, entenda que não basta não ser racista, é necessário ser antirracista!

¹ IBGE: Aglomerado subnormal é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas restritas à ocupação. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/tipologias-do-territorio/15788-aglomerados-subnormais.html?=&t=o-que-e

Texto: Paulo Bastos – Equipe IDI.